Por entre as ruas, por tantos vociferadas como sombrias,
acostado ao balcão deste tasco de realidades múltiplas, sinto que desci mais
uma vez à terra, a das verdades, a do quotidiano sofrido, marcado pela
existência, pela coerência, pelo trabalho.
Este é um exercício especial, pela sua simplicidade, pela
sua magnitude. Todos devíamos, de quando em vez que fosse, descer à terra, à
terra dos tolos, dos ébrios, daqueles que passam pela vida sem que o seu nome
venha nos periódicos, nem tão pouco em um ou outro Big Brother.
Lá dentro, batem-se mãos na mesa, cartas são desfraldadas e
escondidas ao ritmo do jogo incessante, parte do repetido exercício de matar as
horas.
É um entra e sai constante, vendem-se copos de vinho a um
ritmo alucinante, pedem-se mortalhas e cigarros avulsos, numa paridade que
desconfio, se irá cruzar com algo mais, para matar as saudades, para se
relembrar o sorriso.
Aprecio este tasco, preenchido pela voz da D.Amélia, que
ainda não se absteve de conversar, desde que aqui entrei, enquanto multiplica
os olhares para o caderno em que estou a escrever. Aguardo sempre que aqui
escrevo, que venha a pergunta: O que está a escrever? Porque escreve tanto? Não
receio tais questões, mas espero que não venham tão cedo, não sei bem o que lhe
responder.
Aproximo-me do final do meu copo de vinho, que por sinal,
pese embora não seja martelado, não é, de todo, o melhor néctar do Mundo, tendo
sobretudo a seu favor, o extra de vir acompanhado desta ambiência singular.
Bem perto, a antiga Cadeia da Relação, a cela de Camilo, a
cela de Ana Plácido, que tantas vezes visito.
Tem neste momento, a D.Amélia já par, a curiosidade
intensifica-se. Uma curiosidade que não é nunca intromissora, é só e apenas
curiosidade, na sua mais natural forma de ser.
“Olha aí um copo de maduro tinto e um café!”, balbuciou a
sombra de voz embargada pelos anos de vida, algures entre os 70 e 80. Parece
que o tempo estagnou aqui neste local, parece que o planeta jamais voltou a
girar. Prefiro esta terra, adoro aqui descer.
Talvez mesmo o boémio Camilo já aqui tenha estado, talvez
num copo de maduro tenha também amargurado. Talvez…
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